JORNAL CORREIO BRAZILIENSE
Hai kai de Kauim
Severino Francisco
Desde o início da construção de Brasília, sempre foram os artistas que lançaram o olhar mais atento, agudo e amoroso para a cidade modernista. Eles nunca se preocuparam se ela tinha ou não esquinas e outras trivialidades, pois perceberam claramente que estavam diante de uma proposta inovadora.. Brasília inspirou diretamente um dos principais manifestos do trio paulista de poetas formado por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, intitulado Plano Piloto da Poesia Concreta.
Quando leu os manifestos o pernambucano/taguatinguense Paulo Kauim sentiu-se em um beco sem saída, em uma encruzilhada, no desafio de produzir uma poesia que incorporasse as técnicas de vanguarda e não renegasse a experiência de nordestino impregnado de cultura popular. Como conciliar Pound e pedra, Mallarmé e maracatu, Cummings e Cartola?
Kauim passou 30 anos quebrando a cabeça, mas conseguiu abrir uma fresta para sair da encruzilhada e escavar uma voz própria na poesia, com algo de concretismo e cordel, rap e repente, ideograma e grafite, Niemeyer e João Cabral de Melo Neto, Brasília e Recife, utopia e memória, hai-kai chinês e samba, teatro Nô e alegoria de carnaval: “O Brasil é Jô e Gil/Nô e new/É Assis e Noel/É caqui com cajá/judô com dendê/É Araci com araçá”.
O resultado destas experimentações está registrado em Demorô (Ed. Thesaurus), uma espécie de livro-objeto, que se apropria livremente das inovações concretistas. É uma poesia que evoca a do curitibano Paulo Leminski, no verso rápido e no humor, mas que é muito marcada pela arquitetura, os marcos modernistas, o gosto experimental e a espacialidade de Brasília
É uma poesia concreta recriada por um olhar tropicalista, animado pelo gosto anárquico de devoração antropofágica e mistura de múltiplas linguagens no mesmo caldeirão. O grafite, a falha e o erro borrando o design asséptico da paisagem: “O Brasil é errado desse jeito/Porque começou/com a faculdade de direito”.
O eixo geográfico por onde se move a poesia de Kauim é quase sempre o formado por Pernambuco/Brasília/Brasil/África.Repent
De maneira análoga ao que ocorreu com o Plano Piloto de Lúcio Costa, o Plano Piloto da Poesia Concreta também era muito racional e foi implodido pelas contradições da cultura brasileira, não se cumprindo como havia sido planejado. Um lance de dados jamais abolirá o acaso, já havia escrito Mallarmé, em um verso que se tornou um dos lemas preferidos dos poetas concretos. E, de fato, o acaso jogou os seus dados.
No diálogo, muitas vezes tenso, com os planos pilotos, estão emergindo poetas interessantes. Apesar de cair algumas vezes em maneirismos de vanguarda, Kauim está ensaiando uma resposta singular ao desafio colocado pela Poesia Concreta, jogando o lance de dados da poesia com muita liberdade, sem excluir nada de sua história ou da história da cultura brasileira: “A felicidade brasileira/Toda/Cabe num pandeiro”.
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CORREIO BRAZILIENSE – CADERNO C
CRÔNICA
MATILHA DE
MALDITOS
JOSÉ CARLOS VIEIRA
DA EQUIPE DO CORREIO
Já bebeu vodca e mordeu maçã verde? Escreveu poesia com Letra 7? Serigrafou o coração? Paulo Severino sempre foi Kauim. Uma mistura indígena-pernambucana-africana-brasiliense-nipônica na mesma bacia. É tijolo por tijolo, como os irmãos Campos. Rock por rock, como Jimi Hendrix. Hip hop, riponga também.
Nos anos 1980, o Bar do Kareka, era um bunker de poetas, malucos, nefelibatas, astronautas sem nave. E saíamos pela cidade escrevendo poesia pelos muros, poesia sim: haicais bêbados para a namorada com gosto de vinho. Muitos deles estão lá, no antológico livro Demorô.
Éramos uma gangue tonta, matilha de malditos líricos pelas noites da cidade que presenciava os últimos e torpes suspiros da ditadura caduca. Não tínhamos medo da "justa", éramos subversivos à nossa maneira. Anarquistas que publicavam a revista ...ismo – cinema, literatura, artigos, gritos e devaneios. Foi daí que o “Kauim quase tudo” começou a engendrar a carreira poética.
O cara neoclassificou o poema do dia-a-dia, anarquizou corações, mentes e tatuagens. Desfaou, falou, for all. Andy Warhol do cerrado ressequido mexido de poesia. Essa coisa que pulsa, lateja em noite de lua cheia. É assim, Paulo. É assim Kauim. "Polikauim". I know, it's only rock and roll. But I liked.
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JORNAL CORREIO BRAZILIENSE – CADERNO C
CRÍTICA
BRASÍLIA
NA CARNE
LEONARDO CAVALCANTI
DA EQUIPE DO CORREIO
O escritor moçambicano Mia Couto disse certa vez que viaja para conhecer pessoas. E não
apenas os lugares. Digo eu: ver uma pintura e pensar no pintor de frente para a tela, uma casa e imaginar o arquiteto, ouvir uma música e imaginar o autor. Se não conhecesse Brasília, começaria a minha peregrinação na cidade pela poesia de Paulo Kauim. O texto do cabra de feições fortes e gestos e voz suaves pode até mostrar Recife, São Paulo, Lisboa ou Nova York, mas não engana ninguém: é Brasília e a periferia urbana e mais humana da capital brasileira. Seca e chuva no cerrado.
O próprio Kauim entrega o jogo fácil: “ que minha poesia tenha a economia das linhas do
buriti ". E escreve como se dirigisse um filme. A imagem das letras no papel é cinematográfica. E por isso o apuro na diagramação, na composição, tipografia e no aproveitamento dos espaços e dos brancos. Livro é para ser visto, tocado. Não bastam palavras, meu caro. O autor fez vários curtas e os apresentou de uma única vez, em Demorô. Mais um deles de presente para você: “ 3 anos sem ir ao cinema, meu pior longa ”.
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" oi paulo recebi seu livro hoje! adorei! muito bom, muito bem feito e as poesias são ótimas.
dei um pra minha amiga americana, ela não fala português mas entende algumas coisas.
ela gostou muito. abraços.obrigado.valeu!"
fernando carpaneda - artista visual - ( na foto da capa, ele segura seu próprio trabalho em
progresso )
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" O pernambucano de Timbaúba, Paulo Kauim, que hoje mora em Brasília, levou muito tempo
para publicar seu primeiro livro e abrir o belo verbo "
Marcelino Freire - Escritor
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DIARIO DE PERNAMBUCO.COM.BR
Literatura //
Dores de um poeta longe de casa
Quando Paulo Kauim era adolescente, sua Taguatinga (DF) estava mais próxima da Paris de Rimbaud e Mallarmé do que da poesia marginal rodada nos mimeógrafos do Plano Piloto. Pernambucano filho de repentista sindicalista, o garoto conhecia bem os poetas malditos franceses e mal a vanguarda brasileira. Até que um dia descobriu a poesia concreta de Haroldo e Augusto de Campos. "Fiquei sem fala. Sem escrever. O encontro com a poesia concreta foi traumático." Kauim resolveu então reler João Cabral de Melo Neto. "Para retomar o fio", diz. Demorô começou a tomar forma na época do trauma e levou duas décadas para chegar ao formato que o poeta de 46 anos acaba de lançar.
O livro é compilação de poemas escritos entre os anos 1980 e 2008. "Fui muito rigoroso na seleção porque queria que os poemas tivessem uma fala com os dias de hoje, não queria nada datado. Optei por uma polifonia", conta. "Criei uma estrutura em que a pessoa pode começar a ler em qualquer página, é uma leitura flutuante." Demorô também pode ser lido em blocos. O autor agrupou os poemas em módulos temáticos. Há uma parte dedicada aos haicais escritos nos anos 1980 e outra sobre a cultura negra, série de "africânticos" em que o autor celebra o samba e outras manifestações trazidas pelos escravos africanos. A cultura hip hop e as mazelas sociais brasileiras estão em outro bloco. A diversidade de temas é fruto do diálogo de Kauim com conjunto variado de referências.
Nascido em Timbaúba, na zona da mata pernambucana, o poeta chegou a Brasília em 1972. O pai fugia da perseguição política da ditadura que rendera uma prisão na cidade natal. A família se instalou em Taguatinga, de onde Kauim só saiu em 2002. "Na época, não tinha nada para fazer em Taguatinga, era barro para todo lado. Comecei a me interessar por leitura e ia para a biblioteca devorar os grandes poetas", lembra.
Edições caseiras - Depois do primeiro contato com os malditos franceses, o poeta voltou os olhos para o Plano Piloto e descobriu a poesia marginal brasiliense. Nicolas Behr e Franciso Kaq viraram referências. A turma do mimeógrafo fisgou o menino da satélite. "O convívio com esses poetas foi formando a minha poesia. Poesia é coisa à margem, não faz sucesso, mas acho que ajuda a fazer um mundo menos bárbaro. Faço poesia para isso." Muitos dos versos editados em Demorô não são inéditos. Saíram em livrinhos caseiros como Um centavo, Pelo pelourinho e Carruagem de polícia, mimeografados e montados artesanalmente.
O interesse pelas linguagens populares veio do pai repentista e fez Kauim mergulhar nas misturas. "Nunca acreditei na separação entre o popular e o erudito." Também nunca acreditou no isolamento. Por isso, Demorô é um trabalho coletivo. Tem participação dos artistas plásticos Fernando Carpaneda e Masanori Ohashy, responsáveis por parte do projeto visual do livro, e do escritor Geraldo Lima. "Queria dar um caráter coletivo ao livro porque a gente está vivendo época de individualismo", garante o poeta, que, na década de 1980, embarcou na experiência coletiva ao publicar revistas como Garganta e Ismo, experiências destinadas a divulgar a produção cultural brasiliense. Hoje, o coletivo fica por conta das aulas de arte-educação ministradas em escola de ensino básico da Fundação Educacional do Distrito Federal. "Acredito que por meio da arte é possível ampliar o universo dos alunos de forma crítica."
Serviço
Demorô, de Paulo Kauim
Editora: Thesaurus
Preço médio: R$ 40
querido paulo
seu livro é muito bom
tudo!
linguagem fluida e de uma
inteligência sensível e inventiva
maravilhosa
curti muito mesmo!
quero te dar meu livro
cozinheiro do tempo
ai vai meu telefone:
quero mais um pro meu amigo
poeta beto cardoso de joão pessoa
que vai adorar
ele está lançando um livro agora
que fiz capa e texto
muito grato e
abração carinhoso do bené
Bené Fonteles - Artista de várias mídias
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" Querido Kauim
Li o seu livro; isso significa: li o seu livro: li o seu livro: li o seu livro; e não consegui mais parar de ler o seu livro.
Ele nos tira do nosso cômodo mundinho, já pela capa, e vai nos levando num caminho delicioso, sem pausa, até que acabam as páginas e a gente volta ao começo – não queria parar de ler.
Fiquei comovida de ver que aquele menino que gostava de João Cabral continuou sua trilha de poeta, recuperando a chave nordestina que me encanta – e há muito não leio nada tão sonoro e estonteante quanto Recôncavo. "
Maria Helena Ferrari é mestre em literatura pela UFRJ
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"
Caro Paulo:
Cheguei de Brasília faz pouco e devorei sei livro no avião. Muito obrigada por um presente tão significativo, um humor fino, um lirismo contagiante, uma leve tristeza. Vou escrever algo sobre ele, com calma, e quero lhe mandar poemas meus!
um abração
Mônica"
Mônica Rodrigues da Costa é poeta e doutoranda em literatura
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" Paulo Kauim (do livro Demorô)
Poeta de Brasília. Levou 29 anos de escrita para publicar seu primeiro livro.
Daí o título. Lá dentro está cheio de coisas boas. "
Alice Ruiz - Poeta
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